Aparelho ajuda a solucionar problema frequente da construção civil

Aryela Souza de CT/UFRN

 

Um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) deu origem a aparelho que resolve um problema frequente no ramo da construção civil. Chamado de RedeRecalque, o instrumento é capaz de reduzir o intervalo de medição de recalque das fundações de uma estrutura predial de 30 dias para 15 minutos. O projeto, que está em processo de homologação de patente, é derivado de outro estudo que desenvolveu equipamento capaz de investigar a existência de planetas fora do Sistema Solar por meio de infravermelho.

Recalque de fundações é um fenômeno bastante comum que ocorre quando o solo de uma edificação “afunda” durante o processo de consolidação sob sua fundação devido ao peso da estrutura. De modo geral, toda sustentação recalca durante a construção de um edifício, e até mesmo depois dela, por um certo tempo. Contudo, existem normas para que o nível de recalque permaneça uniforme sem comprometer a estrutura. Quando há recalque diferencial entre os apoios (pilares) de uma edificação, a estrutura pode se quebrar, comprometendo a integridade do projeto e a segurança dos trabalhadores envolvidos.

Para realizar a medição do recalque é preciso que um topógrafo utilize o teodolito, um instrumento de precisão óptico aplicado não só na construção civil, mas também na navegação. Porém,  além de o procedimento ser demorado, os resultados são imprecisos, o que causa incertezas aos projetistas de fundações, seja de um edifício residencial, de uma hidrelétrica, ou até mesmo de uma torre eólica. Por isso o mercado da construção civil esperava e precisava de uma inovação.

 

Sensores de luz e temperatura.

 

Os primeiros testes do RedeRecalque foram feitos na sala do professor Allan de Medeiros Martins, do Departamento de Engenharia Elétrica (DEE/UFRN), responsável pela pesquisa e fundamentação da ideia. O aparelho é composto por uma série de sensores a laser que emitem luzes captadas pela temperatura, a cada 15 minutos. Após a análise, os dados são coletados e exibidos em gráficos para que os engenheiros possam acompanhar o processo remotamente, em tempo real. Dessa forma, se alguma parte da estrutura estiver com recalque em nível de risco, é possível remodelar o projeto ou reforçar a fundação em tempo hábil.

 

 

Atualmente, o RedeRecalque está instalado em alguns prédios em construção, sendo utilizado pela empresa FundaSolos, de Natal/RN, que financiou a pesquisa. Especializada em fundações especiais para obras, a empresa não só testou, como já aprovou a ferramenta. Os professores solicitaram também a patente do instrumento para que haja distribuição do produto em breve. O processo aguarda a aprovação do Núcleo de Inovação Tecnológica da UFRN (NIT). Apesar de sua utilidade pública, os pesquisadores se surpreenderam ao perceber que nenhuma das patentes semelhantes cadastradas no sistema havia se tornado produtos comerciais.

 

Descoberta estelar

O mais curioso do projeto do professor Allan de Medeiros Martins é a técnica aplicada para a execução da ideia. O mesmo algoritmo utilizado para assegurar a precisão de medição do RedeRecalque também é usado para medir, com exatidão, a posição das estrelas e buscar planetas fora do Sistema Solar. Criado pelo docente em parceria com o professor José Renan, do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE/UFRN), esse algoritmo é recurso fundamental do NIRPS (Near InfraRed Planet Searcher), equipamento construído para investigar a existência de exoplanetas no infravermelho.

Após sua participação na elaboração do NIRPS, Allan de Medeiros Martins recebeu um pedido da FundaSolos para resolver uma questão incômoda e preocupante na construção civil. O Engenheiro Civil-Geotécnico Péricles Dantas, Diretor-presidente da FundaSolos, de Natal/RN, solicitou a criação de um aparelho que medisse o recalque com excelência e segurança. Em conjunto com os docentes Kurios de Melo Queiroz e Samaherni Morais Dias, do DEE/UFRN, Allan visitou uma obra da empresa e propôs a solução que resultou no RedeRecalque.

De acordo com o professor, a descoberta de que um projeto abstrato e supostamente distante da realidade pode se tornar um instrumento de interesse social é revolucionária e pode auxiliar no combate a um dos estigmas mais presentes no ambiente acadêmico: a desvalorização de estudos em pós-graduação. Ainda segundo ele, a preocupação com os gastos e os benefícios fornecidos aos profissionais que dedicam seu tempo à pesquisas no exterior é fundamentada pela insistência de que a maioria dos projetos não pode ser integrada à sociedade de forma construtiva. O RedeRecalque é, portanto, um ponto fora dessa curva.